Miguel Ribeiro: "sonho (...) participar (...) nos Jogos Olímpicos"

Com que idade começou a praticar e como surgiu o atletismo? 

Comecei a correr no Desporto Escolar, salvo erro, quando frequentava o 5º ano, quando participei pela primeira vez nos habituais corta-matos escolares. Terminei em nono e fiquei fora do lote para o distrital escolar. Desde então, até aos de 2004, não falhei nenhum distrital, conseguindo vários pódios, tanto individuais como colectivos. Recordo-me de ter sido, com a equipa da Escola Secundária de Monserrate, campeão nacional escolar. No entanto apenas me tornei federado depois de completar 15 anos. Antes, dos 8 aos 14, joguei futebol no Vianense. Desses tempos recordo do final das peladinhas, quando o treinador mandava dar voltas ao campo e eu, mesmo no final do treino, dava mais 4 ou 5 voltas que os meus restantes companheiros. O meu pai observava isso com entusiasmo e sempre achou que poderia ter mais sucesso no atletismo que no futebol, e por isso inscreveu-me na mini-maratona Manuela Machado 2001. Julgo que a terminei entre os 30 primeiros. No ano seguinte estava a federar-me na Associação de Atletismo de Viana do Castelo, representando os Cyclones Atlético Clube (posteriormente, Cyclones-Sanitop). 

Como foi a evolução como atleta? 

Como comecei novo (15 anos), mas não tão novo quanto outros, ainda fiz de tudo um pouco. Fiz salto em comprimento e salto em altura, cheguei a lançar peso, fui medalhado regionalmente no lançamento do dardo, fiz 110m barreiras, velocidade (100m e 400m). Mas detestava fazer esse tipo de disciplinas técnicas. Lembro-me até de ter feito alguns treinos de marcha. Quando passava para corridas mais longas, de 800m, 1000m ou provas de corta-mato notava-se que ali estava o meu futuro. Admito que nos primórdios perdia como imensa gente a nível regional, mas tinha consciência que se treinasse lhes ganharia e fui evoluindo até que, dois anos depois, já lutava pelos títulos regionais juniores de corta-mato, já marcava presença nos Campeonatos Nacionais de Corta-Mato e tive o meu primeiro pódio nacional (colectivo) em Guimarães, no Campeonato Nacional de Corta-Mato Longo. 

Qual a primeira memória de uma competição? 

Penso que a primeira prova foi na pista de atletismo do Estádio Municipal Manuela Machado, uma prova de 1000m. Estão a ver aqueles miúdos que correm pela primeira vez e acham que vão ganhar logo à primeira? Pensei dessa forma e terminei entre os últimos. A treinadora, na altura a dona Celeste, deu-me a escolher que prova queria fazer, obviamente, decidi-me pela mais longa do programa e lá fui eu, todo amador, de calções de praia, sapatilhas de futsal, meias altas e com t-shirt branca... Parece que gostei, mesmo tendo terminado mal, pois por cá continuo! 

Quando é que terminaste em primeiro pela primeira vez? 

Durante o período de formação não sei precisar. Como sénior foi em Forjães, no XVI Grande Prémio de Atletismo de Forjães, a 19 de Abril de 2009. 

Quais os objectivos desta temporada?

Estou já perto do final da época mas quando a comecei tinha dois objectivos principais: ficar entre o top25 nos Nacionais de Estrada e no Corta-Mato Longo. Falhei em ambos. No Campeonato Nacional de Estrada terminei num decepcionante 37º lugar, entre 207 participantes. No Nacional de Corta-Mato Longo desisti à passagem de quilómetro quatro. No que resta da temporada tenho ainda uma última grande competição nos Campeonatos Nacionais de Pista Ar Livre (finais de Julho). Até lá pretendo melhorar marcas nos 1500m, 3000m obstáculos e nos 5000m. Espero terminar bem a época e saltar para outro clube que me dê mais garantias (financeiras). 

É de Viana mas corre pelo SC Braga. Como surgiu a hipótese S.C.Braga?

Orgulhoso vianense, em nove anos de atletismo apenas representei dois clubes: os Cyclones-Sanitop e o Sporting Clube de Braga.

O SC Braga foi uma oportunidade que surgiu em finais de 2008, depois de entrar em conflito com a direcção e o meu treinador nos Cyclones-Sanitop, após recuperar de uma lesão grave, que me obrigou a parar por três meses. Decidi, numa primeira fase, procurar treinador em Braga (cidade onde já estudava desde 2005). Fui aceite, em Agosto de 2008, no grupo da Professora Sameiro Araújo, treinadora principal do SC Braga. Dois meses volvidos, e devido ao prolongar do conflito com a equipa de Cardielos, resolvi dar um novo rumo à minha vida desportiva, integrando a equipa de meio-fundo/fundo do SC Braga, sem qualquer contrapartida financeira, ao contrário do que acontecia nos Cyclones (e que a partir de certo momento deixaram de cumprir). 

Como são os treinos de atletismo? 

Quem está por fora pensa que apenas corremos quilómetros e quilómetros, durante horas e mais horas e pouco mais. Contudo um treino de atletismo é muito mais. No meu caso e enquanto atleta de meio fundo/fundo, o treino reparte-se por corrida contínua (uma ou duas vezes por dia), séries duas ou três vezes por semana (depois de um pequeno aquecimento, repetições intervaladas de uma determinada distância), trabalho de reforço muscular, flexibilidade, técnica de corrida e, actualmente, muita boa disposição. 

Como é feito o acompanhamento por parte do treinador? 

Os treinadores não devem apenas ser treinadores. Além de serem orientadores, têm que ser um pouco de tudo, sobretudo ouvintes e bons amigos. 

Tive desde que comecei no atletismo quatro treinadores, mas apenas considero treinador completo o meu actual, o professor Mário Cunha. Ele supervisiona todos os treinos, chegando até a acompanhar de bicicleta nos treinos mais morosos e longos. Traz sempre boa disposição para o treino, dá todos os dias uma palavra amiga e de incentivo ao pessoal, quer sempre inteirar-se do estado físico e mental do atleta. Não há um dia em que não fale connosco!

A professora Sameiro é uma enorme treinadora (os resultados falam por si), mas nunca tive uma relação próxima com ela, embora seja boa pessoa. Domingos Rebolo, embora muito dedicado, é extremamente arcaico no método de treino. A Dona Celeste, muito boa pessoa, muito amiga, e uma boa treinadora no que respeita aos escalões de formação.

Qual o momento mais positivo na carreira até agora? E o mais negativo? 

Destaco pela positiva um elogio que recebi há uns sete anos do ex-campeão Olímpico Carlos Lopes. Estava a correr em Ronfe, terra da Aurora Cunha, e no final da corrida, o Carlos Lopes disse-me que tinha pinta e que se trabalhasse poderia ir longe. Aquilo para um puto, a iniciar-se no atletismo, é como um Cristão ouvir Deus a falar! Também merece destaque pela positiva a oportunidade que tive de competir em Munique, em Dezembro de 2010, na São Silvestre daquela cidade alemã. Terminei num honroso 7º lugar, que naquelas condições foi muito bom! Espero lá voltar, para vencer já este ano…

Pela negativa considero as lesões, as quais felizmente me têm deixado em paz esta época. A desistência no Campeonato Nacional de Corta-Mato Longo, em Fevereiro último, na qual após a desistência parecia um bebé chorando, também fica guardado pelos piores motivos. 

Algum hábito antes de uma corrida? 

Um só! Tento abstrair-me em completo da corrida durante o aquecimento, colocando os auriculares nos ouvidos com música celta, reggae ou espiritual. Durante cerca de 30 minutos antes do inicio da competição não contacto com ninguém. 

Quais as referências no atletismo nacional? E internacional? 

Penso que em Portugal todos os atletas de segundo plano querem ter um dia o sucesso que tiveram (ou ainda têm) Rui Silva, Carlos Lopes, Fernando Mamede e/ou António Pinto, Fernanda Ribeiro, Rosa Mota, Carla Sacramento. Eu não fujo à regra e tenho-os como referências nacionais!

A nível internacional o gigante queniano Paul Tergat, o etiope recordista mundial da maratona Haile Gebrselassie e pela elegância e eficácia da sua corrida, o britânico Sebastian Coe. Tenho também, devido às minhas ligações familiares à Austrália, uma enorme admiração pela Cathi Freeman, atleta australiana de origem aborígene e campeã olímpica dos 400metros em 2000.

Qual o ídolo? 

Esta resposta parecerá desviada, mas tenho como grandes figuras desportivas Ian Thorpe, Lance Armstrong, Johan Cruyff e, claro está, José Mourinho. Na vida, o meu pai! 

Até onde quer ir no atletismo? 

Gostava de usar a expressão “Quero ir…”, mas é aconselhável utilizar “Sonho estar…”. Portanto, sonho chegar, participar e desfrutar e, já que sonho, porque não sonhar ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos. Para isso não basta sonhar, é precisar trabalhar bastante… Espero cumprir esse sonho!

Os Campeonatos Europeus e Mundiais também são um objectivo e palcos onde um dia espero poder estar. Competir num estádio cheio com milhares de pessoas a gritarem por ti deve ser deslumbrante, magnifico, emocionante! Quero viver o atletismo ao máximo. Se possível ganhar sempre! 

Se tivesse de convencer alguém a praticar atletismo como o faria? 

Somos únicos, somos raros. Sai-se cedo para treinar, às vezes ainda antes de o Sol raiar. Outras vezes treina-se perto do meio-dia, para o Sol aquecer, ou então à noite, correndo o risco de ser atropelado por um camião.

No Verão corre-se com o sol a queimar. Transpiramos, desidratamos e cansamo-nos. Mas no final desfrutamos o descanso. No Inverno o frio incomoda-nos, a chuva molha-nos e a neve gela-nos, mesmo que nos protejamos o máximo possível, mas seguimos sempre correndo!

Só um abismo nos limita no espaço que percorremos, pois cruzamos pontes, corremos junto ao mar, subimos montanhas, passamos estradas, fintamos caminhos de terra e pedra, percorremos cidades de uma ponta à outra.

É deveras emocionante correr com pássaros voando por perto, ouvindo o barulho do mar e da montanha, escutando a nossa própria respiração e ouvir os pés a bater no chão. Estamos em contacto permanente com a Natureza, com o Planeta Terra. 

Somos homens e mulheres dos 10 aos 80.

Combatemos a ansiedade, mas quase sempre perdemos e minutos antes da partida lá estamos nós no WC.

Quando ultrapassamos alguém, em corrida, não o desprezamos, apoia-mos dizendo “Anda! Falta pouco… ANDA!”

Doem-nos as pernas, doe-nos o corpo, a cabeça, mas temos que treinar e lá vamos nós a enfrentar as condições climatéricas e o nosso próprio cansaço. Inventamos uma meta a cada corrida, a cada treino.

Somos loucos pelos quilómetros percorridos, somos loucos pelos aplausos, somos loucos pela adrenalina do tiro de partida, pela competição e convívio na terra, no asfalto, no tartan. Somos loucos pela aventura de correr. Se te achas capaz de viver com todas estas condições e situações junta-te a algum clube e vem correr connosco! O Atletismo é duríssimo, mas é dos desportos mais belos do Mundo, não tenham dúvidas. 

Alguma coisa que desejas acrescentar? 

A suposta crise está a destruir o atletismo a Norte do país. Muitas são as provas que estão a deixar de ser realizadas. Também poucos são os clubes, pois muitos deles têm terminado por falta de apoios das autarquias. Já bastam esses problemas no atletismo nacional. Falando aos que praticam atletismo, acho que devemos procurar viver num clima de paz, ajudando-nos e deixando de certo modo, o clima competitivo para as competições. De crispações já bastam as que temos com o Estado e as que há no Futebol. Não queiram tornar o Atletismo em algo parecido com o futebol, no que toca a ambiente (a nível financeiro bem que ajudava imenso) e deixem-se de suspeições, pois certas notícias (como por exemplo, de doping) devem entristecer-nos. Devem ser compreendidas e não atacadas, como se alguém tivesse morto outra pessoa e festejassem tal erro como se da morte de Bin Laden (para os Americanos) se tratasse. Certas pessoas, ao lerem isto, compreenderão o que digo. Unidos seremos mais fortes, portanto deixem-se de guerrinhas. 

Passa e Corta

Nome Miguel Ângelo Baptista Moniz Ribeiro (Nigga) 

Idade 23 anos 

Especialidade Meio-Fundo/Fundo 

Clubes Cyclones-Sanitop (2002 – 2008) | Sporting Clube de Braga (2008 – actualidade) 

Principais títulos

Campeão Regional Júnior AAVC 3000m, 2006 e 2007

Campeão Regional Junior AAVC de Corta-Mato 2006 e 2007

2º lugar (Serie B) Milha Urbana Viana do Castelo 2007, 

3º lugar CNU Pista Ar-Livre 2007 e 2009, 3000m, 

Campeão Zona Norte 2009, 3000m Obstáculos

5º lugar (sub23) no Cross Internacional de Torres Vedras, 2009

3º lugar CNU Corta-Mato 2011, Vila Nova da Barquinha

7º lugar São Silvestre de Munique 2010

9º lugar Media Maratón Ria de Ferrol, Espanha, Dez 2010, Tempo: 1h07’48’’

10º lugar, Meia Maratona Manuela Machado 2011, tempo: 1h08’20’’

3º lugar colectivo no Nacional Corta-Mato Longo, 2005, Guimarães 

Ponto Alto 5º lugar (1º português) na Prova de Estrada Vigo+1 = 11km, em Outubro de 2010 

Ponto Baixo Toda a época 2009/2010 e a desistência no Nacional de Corta-Mato 2011 

Recordes pessoais Meia-Maratona 1h07’48’’ – Ferrol, Espanha, Dezembro 2010 | 3000m – 8’46’’ (Póvoa do Varzim, Maio 2010) | 3000m/obstáculos – 9’22’’ (Guimarães, Maio 2009)

José Domingos Ribeiro