São muitos os artigos publicados sobre o grande “mal” do atletismo, a especialização precoce. Mas afinal o que é isso? E será que nós praticamos tal acto, tal erro que destruirá para sempre as carreiras promissoras dos jovens atletas? Vou tentar esmiuçar essa velha questão mas apenas de uma forma provocadora e deixando sempre as questões em aberto sem fazer nenhum juízo de valor, pois as opiniões são muitas e alguns pontos de vista divergem muito.
Começo com a minha primeira provocação: A Finlândia tem escolas de lançamento do dardo, onde os atletas só aprendem essa disciplina e entram muito novos. Poderemos concluir que a Finlândia especializa precocemente os seus atletas? Não. E porquê? “Conteúdos” meus caros, no miolo é que está a questão.
Então vejamos, aqueles treinadores que colocam os seus atletas a fazer uma grande variedade de provas em infantis e iniciados tem uma boa prática e não especializam os seus pupilos enquanto que aqueles cujos atletas fazem sempre a mesma prova… sim. Na minha opinião, não existe nada mais mentiroso que isto.
Voltemos à Finlândia. Nos 20 melhores lançadores de dardo do ranking mundial, 10 deverão ser Finlandeses ou, pelo menos, nórdicos (concerteza isto não acontece por serem grandes e não terem Sol), e agora? Especializar cedo não dá frutos? Pelos vistos dá. Eles não vivem tanto como nós? Em que saíram prejudicados? Em serem os melhores? Desse prejuízo quero eu. Em Portugal, os melhores tempos do nosso atletismo foi a Era do meio-fundo, isto sim, autêntica especialização precoce, mas com frutos dados… Manuela Machado, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, etc. Ainda me lembro de as ouvir dizer o quanto gostavam de fazer salto em comprimento e lançamento do peso quando eram novas… ou não.
Já noto aí desse lado um sentimento diferente, ou já me estão a insultar baixinho ou a tirar outras conclusões. Mas a provocação continua…
Quando eu era infantil fui vítima de especialização precoce, e fui recordista regional de 60 metros, salto em comprimento, 800 metros, provas combinadas, etc. Ou seja, fiz de tudo, mas volto a reforçar… Fui vítima de EP (especialização precoce). Mas então porquê?
Ponto de situação. Encontramos os melhores na suposta EP e desde que a negamos e proibimos… o meio-fundo (onde éramos bons) começou a cair. Mas a EP destrói a carreira dos atletas? Pelos vistos não.
A questão está, na minha opinião, no que entendemos por Especialização Precoce.
Um atleta pode fazer sem qualquer problema ou limitação futura sempre a mesmíssima prova, só peso, só comprimento ou só 1000 metros… Isso não é importante do ponto de vista da EP. O importante é o que esse mesmo atleta faz no treino.
Back to Finland. Os dardistas nórdicos geralmente só fazem dardo. Mas o seu treino não é só lançar dardo. Eles fazem todo o tipo de trabalho de coordenação, flexibilidade, resistência, força, etc. Eles são completos no treino, a variedade deverá existir é no treino, a EP não pode existir é no treino. No treino. A competição é para eles fazerem o que são melhores, ou o que gostam mais, ou sei lá que mais… devem variar na competição? Sim. Mas não por causa da EP. Mas por factores motivacionais, técnicos, ou outros.
Eu sofri de EP quando era miúdo porque o meu treino era sempre igual, meia-hora de corrida, mobilidade e 3 rectas de 80 metros. Sempre a mesma coisa, mudava apenas o percurso. Mas chegava às competições e fazia de tudo… Grande variedade. Isto foi e é EP.
Melhorem o conteúdo dos treinos. Eu dou treino de barreiras a todos os meus atletas, desde lançadores a marchadores, técnica de corrida, flexibilidade, até uns joguitos de voleibol ou ciclismo lhes faz bem. Eles têm que variar e experimentar tudo no treino. Se os meus atletas variam na competição? Ora bem, uns sim e outros não. Mas não por ter receio do fantasma da EP, são mais motivos de ordem técnica.
Estou a ser provocador e exagerado, é certo. Mas só assim consigo que se pare para pensar nisto. Se existe um clube só com marchadores e outro só com lançadores e eles são os melhores, e se o conteúdo do treino desses miúdos é variado… e chamam a isso de EP. Eu quero uma EP só para mim.
E mais, poderei então afirmar que o futebol (por exemplo) é um antro de especializações precoces? E para baralhar tudo… apesar de tudo o que disse, na minha opinião, o futebol é o que tem mais EP de todos. Confusos? Vão assistir aos treinos das escolinhas e tirem as vossas conclusões.
Variedade e equilíbrio são as palavras-chave para uma evolução desportiva salutar dos jovens atletas.
Joel Maltez
- treinador de atletismo -
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