Parece haver consenso relativamente aos benefícios da prática de actividade física e do seu início em idades mais precoces. O que me parece que não tem sido muito tema de discussão e principalmente de preocupação por parte de muitos profissionais da área e também de muitos pais, é do tipo de actividade desportiva que se deve proporcionar às crianças. Aí vem ao de cima o termo “especialização precoce”.
Ávidos de novos Cristianos Ronaldos das diferentes modalidades, parece-me que a maioria dos responsáveis dos clubes existentes em Viana do Castelo e infelizmente da maioria do país defendem a prática o mais precoce possível de uma só modalidade, repetindo um modelo de gesto técnico, uma matriz de movimento corporal na tentativa e na esperança que isso possa potenciar o mais precocemente possível as suas capacidades e assim antecipar campeões.
Constatamos assim que na cidade de Viana do Castelo, com a excepção da “Academia Total” não existe uma escola ou clube que tenha como pano de fundo da sua intervenção, valências tão importantes como igualdade, formação desportiva global e corporalidade, num processo de formação pessoal e desportivo que se deseja harmonioso, equilibrado e saudável.
A grande parte dos clubes tem como preocupação principal o aspecto competitivo, levando muitas vezes, directa ou indirectamente, à existência de traumas, medos e a abandonos precoces das crianças da prática desportiva. Muitas das vezes são os treinadores que com a ânsia de querer ganhar, esquecem-se que estão a lidar com crianças, as quais sentem imenso as suas opções ditas técnico-tácticas, opiniões e decisões. Encontramos também clubes autenticamente selectivos, onde uma criança de 6-8 anos é rejeitada para a modalidade por não ter as “ditas” qualidades necessárias e suficientes. O objectivo é ser “campeão do mundo” em escolas e infantis e não há, como tal, lugar para todas as crianças.
O que defendo então? Defendo o termo “alfabetização motora”. Devemos proporcionar às crianças o contacto e a prática de varias modalidades desportivas, sem cariz competitivo, onde as mesmas possam errar o mais possível (nada pior que preferir não fazer com medo de ser repreendido, a fazer mesmo errando), onde se possam divertir e crescer de forma equilibrada.
Mais tarde, e após esse processo inicial da sua formação desportiva, quando o jovem desejar iniciar a sua actividade desportiva mais de cariz competitivo (quase sempre inicia-se com a entrada no 2º ciclo de escolaridade), poderá escolher com segurança e tranquilidade aquela que lhe proporcionará mais êxitos e maior realização pessoal.
A verdade é que cada vez mais, nas escolas onde lecciono, os alunos tem um nível de alfabetização motora menor.
Estarei errado?
* Nuno Esperança
Mestre em Ciências do Desporto e Educação Física pela F.C.D.E.F.
Professor de Educação Física no agrupamento de Escolas Arga e Lima
Escreve neste espaço quinzenalmente
Apreciei bastante o artigo, e partilho da mesma opinião.
ResponderEliminarApenas poderia completar com a justificativa da reacção do treinador á pressão dos pais dos jovens atletas. É consensual que nenhum pai quer ver a equipa do seu filho com maus resultados, e oferece comentários destrutivos ao trabalho do treinador, sem olhar á qualidade de execussão de cada miúdo. Este reage queimando algumas etapas para obter resultados mais rápidos, resultando na tal especialização precoce. Este fenómeno repercute-se em "brancas" deixando o atleta incompleto a médio/longo prazo.
Espero que muitos encarregados de educação leiam este artigo, e compreendam que em idade de formação o resultado do jogo é o que menos importa, e todas as pequenas etapas são importantes na receita dos campeoes.
Parabéns
Excelente artigo de opinião, a meu ver claro está.
ResponderEliminarAlém de fundamentada é uma temática bastante interessante.
Continuem!
Olá Nuno!
ResponderEliminarPartilho completamente da tua opinião. Hoje em dia exige-se das crianças, o cumprimento de horários que até para adultos seriam difíceis. Fica a falta de tempo para brincar, correr, saltar, trepar árvores e cair (porque também faz parte). Fica a falta de tempo para partilhar esses momentos com os amiguinhos, sem ser, em contra-relógio e com regras. O que aconteceu ao tempo onde se adquiria essa "alfabetização motora" tão essencial ao eqilibrado desenvolvimento do SER?
As crianças não estão preparadas para serem postas de lado num jogo. Não estão, porque são crianças! Pais, acreditem que há tempo para isso, mas por agora aproveitem ao máximo para serem vocês a jogar "à bola" com os filhotes! Eles adoram!
Parabéns, Nuno!
Fico à espera do próximo...
Boa Nuno!
ResponderEliminarQuem tem o minímo de formação sabe que tens toda a razão. Algumas modalidades conseguem resolver essas questões com regras bem específicas, mas bem sabemos que outras bem pelo contrário. Aquilo a que tu chamas de alfabetização motora era o processo normal de aprendizagem de alguns de nós à uns anos atrás, na rua com os colegas, com todos aqueles jogos e brincadeiras, sem a pressão dos treinadores ou pais. Nos tempos actuais isso não é possível e dependemos das escolas de formação nas várias modalidades para ensinarem os nossos filhos, pena é que, ainda haja técnicos com menos boa formação académica e humana para os "alfabetizar" da melhor forma.
Na minha opinão a solução está no Desporto na Escola (com todas as modalidades acessíveis) obrigatório até aos 14/15 anos e só depois as Federações possam realizar competições de caracter mais especializado com vista ao futuro rendimento dos praticantes.
Gostei deste sitío. Continuem em força.
desculpem o erro, queria dizer HÁ uns anos ...
ResponderEliminarFelizmente no atletismo, na maior parte dos locais, isso já não acontece.
ResponderEliminarPor exemplo, na academia de atletismo do Centro de Atletismo de Mazarefes as crianças (dos 6 aos 11 anos) desenvolvem capacidades motoras transversais a todos os desportos, praticam estímulos variados, motricidade fina, flexibilidade e o trabalho em equipa. O mais próximo da especificidade do atletismo que fazem é correr (simplesmente), gincanas com barreiras e saltos, lançamento de vortex ou salto em comprimento com zona de chamada mas há sempre espaço para, quase todos os treinos, um jogo de futebol (com ou sem bola), o jogo do lencinho ou até trepar árvores para colher nêsperas, lolol.
Aos 11 anos, no final do seu percurso, são jovens mais capazes, "mais inteligentes" e preparados para qualquer desporto.
Mas, tens razão Nuno, a maioria falha redondamente nesse aspecto.